Kiss kiss bang bang

spoiler alert - este texto pode condicionar o suspense da peça

Interrompemos uma sessão de sadomasoquismo, enquanto uma mulher pendurada pelos braços geme um orgasmo entre música estridente e um cenário de pós-furacão. Dois irmãos numa festa privada de excessos, atacam o amor, o dinheiro, o mundo em que vivemos. Odeiam tudo e decidem matar-se em nome disso. Querem viver como símbolos de uma geração perdida.


O cenário que nos envolve é agressivo e provocador desde o primeiro momento.
Da cena, já não podemos fugir, os nossos sentidos já não deixam.
O ambiente está perfeitamente criado através do conjunto luz, cenário e sonoplastia. Estamos num sítio escuro, pesado, corrompido por todo o dinheiro/lixo espalhado pela sala.

Joana Ribeiro Santos e Pedro Carvalho têm interpretações irrepreensíveis naquilo que o espectáculo lhes exige: são sensuais, sexuais, libidinosos e arrogantes, são jovens que tiveram quase tudo. Não lhes falha nunca a atitude, que penso ter sido o ponto mais importante neste trabalho de actor.

A encenação, de Sofia de Portugal, é o ponto grandioso do espectáculo, é o que nos faz esbugalhar os olhos para não perder nada, é o que nos espicaça os sentidos a todo o momento.
É o que torna a peça forte, desde o momento inicial à cena final.
Usa o sexo, e a materialidade do corpo enquanto objecto, para passar uma mensagem que é de leviandade mas ao mesmo tempo de um sofrimento profundo esquecido pelos vícios da carne e do espírito.
As decisões de encenação são de tal forma potentes, que podem desviar a atenção da mensagem.

Foto de Aurélio Vasques


Neste texto de Cláudia Lucas Chéu temos uma forte crítica política, ao sistema capitalista.
Critica-se a actual valorização do dinheiro em detrimento do amor e outros valores, através de meios visual e moralmente agressivos: uma sessão de sexo, drogas e morte entre dois irmãos.
Fala-se nos americanos e na coca-cola como símbolos da degradação moral-social.

Dois irmãos dizem-nos que o dinheiro pelo qual vivemos, matar-nos-á.
Dizem-nos que não há esperança porque já não há valores.
Dizem-nos que vão mostrar ao mundo que anda a girar ao contrário, quando permite que vidas desapareçam debaixo de números.
Vão desaparecer, soterrados naquilo que os vai finalmente tornar importantes: o dinheiro.

Foto de Aurélio Vasques


É, no fundo, uma história sobre dois jovens que viveram com demasiadas possibilidades, mas talvez sem o que realmente importa e que eles descredibilizam por rancôr ou defesa: o amor.
É uma história de falta de amor.





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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!