Era uma vez

Era uma vez uma menina quase despida. Despida de roupa e de pudor, a mostrar-nos tudo o que sente através de tudo o que não esconde. Ela ama e sofre. Sofre por amor e por um viver o dia-a-dia a esconder inquietações, sentimentos extremos, de desistência e de entusiasmo. Como nós. Podíamos ser nós.


Num cenário que é um não-cenário, vemos no canto da sala a actriz Sofia Soares Ribeiro a encarar-nos e a expor-se-nos, a provocar e a quebrar a barreira do constrangimento do público pela falta da quarta parede.
Ao longo de um texto que é um desabafo de uma jovem apaixonada e inquieta em crescendo, vamos sendo interrompidos no envolvimento com a cena pela actriz Joana Paes de Freitas, que vai entrando e saindo para vestir Sofia, com uma atitude propositadamente nada teatral a puxar o público e a outra personagem para a realidade.

O texto, que pode ser interpretado como uma manta de retalhos, no sentido em que não tem necessariamente um fio condutor, é-nos transmitido como se estivesse a ser pensado, a ser sentido ao longo da sua apresentação. A personagem pára e retoma o texto conforme vai sendo interrompida pela "realidade" que insiste em não dar importância ao drama que ela está a viver.

Fotografia cedida por Sofia Soares Ribeiro


Numa interpretação pungente, Sofia Soares Ribeiro faz-nos pensar nessa invasão da vida sobre os nossos dramas pessoais. Se em ficção, num conto de fadas, as princesas vivem para o seu amor, sofrido ou concretizado, na vida real não é isso que se passa. Por mais que se sofra de amores, por mais que se queira gritar isso ao mundo, é preciso vestir, calçar e continuar. A vida impõe-se.

As criadoras deste projecto, Cecília Laranjeira, Joana Paes de Freitas, Statt Miller e Sofia Soares Ribeiro, dizem-nos que se apoiaram num imaginário de contos de fadas para nos dar a imagem de uma princesa na vida real, a ter que lidar com questões reais.

A performance vive muito de efeitos visuais. Se o cenário e figurino vão crescendo à medida que Sofia é vestida, também as luzes contribuem para nos provocar ideias mais abstractas. De sublinhar a cena de projecção de sombras na parede ou até o blackout interrompido pela tiara que brilha no escuro.
Este trabalho de luz é também acompanhado por um momento musical que nos transporta novamente para a fantasia em que Sofia parece querer viver.

Fotografia cedida por Sofia Soares Ribeiro


Era uma vez uma história de fantasia desiludida, como um sorriso que guardamos depois de acordar.





1 comentários:

  1. - Vi, gostei e emocionei-me. Fiz a minha leitura, claro, que não anda longe deste comentário que acabei de ler. A peça espelha as ilusões/desilusões de quem é jovem e a amargura que estas últimas provocam em quem tanto espera da vida e está de alma cheia de esperança de ser feliz.

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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!