Where is my mind?

Mais uma vez os Artistas Unidos voltam a rapaz-que-decide-matar-um-grupo-de-pessoas. Depois de A 20 de Novembro e Punk Rock, João Pedro Mamede volta a ser o actor escolhido para o massacre. Andreia Bento é Claire, a vítima obcecada por tentar perceber a motivação do seu carrasco.

Artistas Unidos
A peça foi escrita por David Greig no rescaldo do massacre de 2011 quando Anders Breivik matou 77 pessoas na Noruega. Aqui n'Os Acontecimentos, um Rapaz entra por uma sala de um coro multi-étnico adentro e começa a matar até já não ter balas. Tudo o que sabemos: não é que ele odeie estrangeiros, só odeia que os estrangeiros estejam cá.
A vítima que escapou, Claire, dedica a partir daí a sua vida a tentar perceber o que levou àqueles acontecimentos: ele era louco ou ele era mau? 

Há um enorme coro para o pequeno palco do Teatro da Politécnica que vai cantando a estória, a consciência e os que sobreviveram ao massacre ou vieram depois lidar com o que sobrou de Claire. O coro mantém uma energia muito intensa ao longo do espectáculo, mantém-nos alerta, mantém-nos em suspensão à espera dos acontecimentos.

A encenação de António Simão é rápida nas mudanças (o actor faz várias personagens consecutivamente, o espaço-tempo está sempre a mudar) e obriga a atenção constante, é tudo muito orgânico, as cenas sucedem-se quando ainda julgamos estar numa só. Interessante, difícil, para nós e para os actores, no que também parece ser uma exigência do texto que não apresenta indicações para as mudanças de cena e personagens. Dá ideia de que tudo o que vemos é apenas a cabeça de Claire, para trás e para a frente em lembranças para tentar construir um puzzle aparentemente sem solução. Um dos momentos mais impressionantes é o do bebé imaginário que deixa a pessoa-boa e a pessoa-má em cada um de nós sem respiração moral.

É a história de como lidar com uma perda, com um trauma tão grande, como lidar com a sobrevivência. E o Rapaz está vivo. E a Claire está viva. Os outros estão mortos. Ela quer perceber, quer perdoar e quer matar o Rapaz. Não sabemos se acabou por conseguir alguma das três. Sabemos que ao mesmo tempo que luta contra loucura, luta contra o tornar-se uma pessoa má, as únicas saídas que parecem possíveis para quem sobreviveu àquele tipo de acontecimentos. É um drama humano o que vemos e que põe a nossa própria humanidade à prova. 

O Rapaz: Tu devias ser popular. Os miúdos populares acham que as pessoas são naturalmente boas. Mas não é verdade. As pessoas são naturalmente más. Quando se é um miúdo impopular na escola, fica-se com uma visão da humanidade muito especial. Com icterícia, podes dizer.
Claire: É deprimente.
O Rapaz: Não acho. Acho até libertador. Os padrões pelos quais temos que viver são bastante baixos.
Em Os Acontecimentos


Os Acontecimentos, em cena no Teatro da Politécnica de 11 de Fevereiro a 14 de Março de 2015

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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!