Sasha Glows

Spoiler alert: este texto contém informação sobre a peça que pode comprometer o suspense da mesma.

Sasha Gold, diva do espectáculo, recebe diariamente no seu camarim um dos seus fãs durante quinze minutos. Desta vez é Luis Matta Lobo, um invisual galante e sedutor que lhe traz vinho e chocolates produzidos pela sua família. Num clima de sedução crescente vamos conhecendo melhor as duas personagens que começam a criar uma estranha relação entre si. No final, somos surpreendidos por uma paixão que, apesar de ultrapassar os limites do doentio, se encerra num limite que pode ser o maior com que nos deparamos ao longo da vida: o amor-próprio. Ou aquilo que exigimos dele.

Cartaz de Sofia Santana

Assim que entramos na sala somos atingidos por algo que não nos vai largar até ao final do espectáculo e que nos envolve naquela realidade desde o primeiro minuto: o cheiro.
Esta aura de bastidores do mundo do espectáculo é prolongada primeiro pelo cenário ultra-realista e pormenorizado, quase kitsch, depois pela própria Sasha, interpretada por Mané Ribeiro, que tem nos gestos, na voz e no corpo a verdadeira diva do espectáculo em todo o seu esplendor.

Fotografia de Miguel Satúrio Pires


Em Sasha tudo brilha, desde o figurino à maquilhagem e ao cruzar de pernas, tudo é feito para impressionar, para seduzir. A actriz segue na perfeição esta linha, usando a voz grave e teatral, os gestos longos e demorados com uma certeza irrepreensível que só deixa cair quando a personagem, que é a própria Sasha, o pede.
Assim, em momentos como quando Sasha vê os olhos de Luis e se emociona, ou começa a falar sobre a sua infância já sob o efeito do Elixir, vemos transparecer alguma fragilidade própria de uma menina que quase de repente se transformou em mulher admirada pelo mundo e que a partir daí já não pode ser senão a própria personagem que criou.

Paulo Nery também não desilude ao criar, também ele, a personagem dentro da personagem. O invisual que afinal não o é, o sedutor e admirador que afinal quer o objecto da sua admiração para si, na verdadeira acepção da palavra. Movimentação, voz e corpo adequados à posição que quer passar, é como se estivesse sempre à sombra da exuberância de Sasha, sempre de fora a apreciar todo o espectáculo que ela vai desenrolando à sua volta. É aqui que voltamos à ideia de que menos é mais, discretamente se constroi a personagem que no fim se revela a mais forte.

Fotografia de Miguel Satúrio Pires


Susana Vitorino brinda-nos com um texto interessante, rápido na captação do interesse do espectador, que não perde no seu desenvolvimento.
Traz-nos uma encenação linear, sem grandes exageros criativos que poderiam dispersar a atenção da história, faz brilhar os actores e através deles, as personagens que criou.
A ideia da história é surpreendente mas pode fazer lembrar outras já criadas como em La piel que habito, por exemplo.


A luz, sonoplastia e cenário transportam-nos na perfeição para o ambiente de glamour por detrás de um palco, para intimidade das grandes divas, quando as havia. Criam uma ambiência aconchegante mas ao mesmo tempo de um certo sentimento de voyeurismo, como se ali estivéssemos a espreitar algo que não devíamos.

Fotografia de Miguel Satúrio Pires


No Teatro Rápido a mensagem tem que ser rápida e forte, tem que fazer prender  a atenção e a respiração logo nos primeiros momentos e é o que aqui acontece. Desde que entramos que queremos saber mais, porque estamos ali, o que vamos ver, tudo brilha e nós queremos fazer parte, por uma noite, do mundo do espectáculo.
Como dizia o actor Paulo Nery em entrevista, no Teatro Rápido o desafio é vender um produto à primeira, rapidamente.
Eu comprei.



4 comentários:

  1. Parabéns Rita! Gostei bastante da tua opinião. face ao trabalho destes dois actores! :) Já tive a oportunidade de ver a peça, e partilho da mesma argumentação.

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  2. parabéns pela iniciativa.
    um blog a seguir com muita atenção.
    bom trabalho
    miguel satúrio pires

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  3. Rita,

    parabéns pela tua iniciativa.

    Obrigada pelo que o teu sentir devolveu com aquilo que te demos.

    Tudo a fluir, com ou sem cenas.

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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!