Inexactamente

O Festival Anual de Teatro Académico de Lisboa regressa à cidade - e já vai a meio - e com ele um dos grupos que nunca ou quase nunca lhe falha: o Grupo de Teatro de Letras e o seu mítico encenador Ávila Costa.

Desta vez traz-nos Tragédia Exacta, de José Martins Garcia, que pretende recriar o teatro dos anos 60 e um conjunto de coisas a que chamam contra-exemplos, coisas que não se devem fazer. Isso nos dizem também os actores a todo o tempo, para além da sinopse. Pela representação do que não se deve fazer, pela ironia e sátira, pretende mostrar-se o contrário, dizem, e assim denunciar "o tempo de desumanidade, de injustiças, de repressão e de censura". Não cheguei a perceber se este tempo é o dos anos 60 se o de agora, mas custa-me - porque não o entendo - ver o nosso tempo ser descrito sobretudo desta maneira, mais ainda se comparado com o tempo da outra senhora.


Vamos ao espectáculo.
Como habitualmente o cenário é quase nenhum, os actores apresentam-se de preto, havendo em cena alguns figurinos que por vezes usam, falam entre si e para o público num tom afectado, estilizado, teatral. É o Ávila. E eu gosto. Gosto dessa estranheza teatral, dessa dicção perfeita e do texto corrido em nuances quase em catadupa mas sem perder o sentido. O trabalho aqui é pela forma. Muitas vezes nas suas encenações vemos esse trabalho com vários actores a fazerem a mesma personagem sucessivamente, sem paragens ou rupturas, é como se a personagem fosse geral e não pertencente a cada actor. Conta a técnica, a forma, mais uma vez.

Pessoalmente achei o texto confuso. Percebi a intenção interventiva e de denúncia mas não percebi contra ou em relação a quê. Vi que se atacava o riso em prol de uma sociedade perfeita e perfeitamente feliz. Vi que ela se faria de normas agressivas, mesmo que vazias ou contraditórias, estabelecendo um qualquer caminho único obrigatório. Vi o enunciar de um problema da sociedade que não consegui identificar, através da comédia, não vi qual seria a alternativa, a solução, o tal correcto por oposição ao incorrecto que nos foi apresentado.

Neste caso, senti que a perfeição formal do espectáculo engolia o conteúdo do texto, distraía do que estava a ser dito.

A maioria dos actores esteve muito bem, quer no tempo cómico quer na muito exigente interpretação do texto, destacando-se Maria Teresa Monsanto pela solidez maior das suas personagens, estando também mais tempo em cena do que os restantes actores.

O encenador diz depois do espectáculo que este é o melhor texto de sempre. Eu não posso deixar de opinar que o Ávila é dos melhores de sempre. Saído das entranhas do teatro para raramente se mostrar ao público com uma força e certezas que pouco se vêem. imprime um estilo só dele, que continua a atrair as várias gerações de actores a quem ele o ensinou. Foi este estilo a que fui e foi o que trouxe para casa.



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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!