o nosso reino,
valter hugo mãe
o nosso reino fala de tudo o que não é de um reino nosso mas de um reino imaginado, próprio, criado por uma criança que vai descobrindo como se cresce, como se morre e sobretudo como se sobrevive.
É benjamim que nos mostra o seu reino que parece nascer do fervor religioso que cerca a vila onde vive, que a fecha, que a molda.
benjamim decide ser santo, apesar de decidir matar, e decide entregar-se a Deus, apesar de ter decidido morrer. Quer salvar a humanidade através do amor incondicional, mas só vê e só sente o pecado de cada um à sua volta.
Ao estilo de valter hugo mãe pode apontar-se a crueza na descrição da realidade, que sublinha muitas vezes os aspectos mais vis do ser humano pela falta de embelezamento, poetização talvez, a que nos habitua grande parte dos escritores. A crueldade que podemos sentir na sua escrita vem do facto de parecer escrever sem filtro, somos apanhados de surpresa quando alguém descreve tão friamente o que o ser humano é capaz de saber ou de pensar. O choque não vem por acharmos que não pode ser, que é demasiado horrível, não: o choque vem porque não estamos à espera que alguém fale destas coisas abertamente e sem cobrança moral. O que nos espanta é ver nas personagens de um livro aquilo que guardamos só para nós, o que só vemos nos telejornais sobre lá longe ou que fingimos não saber que se passa na casa ao lado, na porta ao lado, na pessoa do lado.
Em o nosso reino a crueldade é maior por nos ser dada pelos olhos de uma criança, que deveria ser símbolo de esperança e ingenuidade, mas aqui carrega todo o peso do mundo, imaginado ou não, sofre por ele e sofre porque ele parece ter decidido que ela é a sua única salvação.
benjamim compara-se a Job e no seu caminho de provações tem a certeza da salvação eterna, compara-se a Cristo, sofrendo na pele o pecado dos outros para fazer chegar a redenção. E no entanto, a vida relembra-o que "o homem mais triste do mundo, apenas metendo dó" poderá ter sido um dia um menino que achou que podia salvar a humanidade.
Em o remorso de baltazar serapião, prémio José Saramago, e a máquina de fazer espanhóis, valter hugo mãe perpetua o seu estilo de incomoda-a-realidade-incómoda que vem, quanto a nós e felizmente, abanar a literatura do não-se-passa-mais-que-o-nosso-umbigo.
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