Estórias do vazio

Cada sopro, de Benedict Andrews, aqui levado à cena pelas mãos de John Romão e Paulo Castro pode ser um caso bicudo de análise, uma vez que a intensidade, repetição e insistência das cenas potencialmente chocantes ou incómodas, pode abstrair-nos do que se está a passar por trás delas. Pode levar-nos à pergunta: será que se passa mais alguma coisa?



O cenário do espectáculo é, desde que entramos na sala, visualmente muito interessante. Uma casa que mais parece uma gaiola de vidro para atrair voyeurs, quase sempre fechada do mundo, em que até as vozes nos parecem vindas de um bunker sempre que as personagens lá estão. Um jardim com uma piscina que imaginamos perfeitamente no chão espelhado e que também nos reflecte a noite, a lua, a solidão de quem fica cá fora.
O espaço cénico é indiscutivelmente muito bem utilizado pela encenação ao longo de toda a peça.



Quanto à estória, ao texto, ou assumimos que tudo está sempre envolto em metáforas ou aquilo que se passa é o desfilar da promiscuidade entre todas as personagens, sem mais.
Vamos assumir que é tudo sobre a solidão. Vamos assumir que a/o Chris nem sequer precisa de ter existido. Então, o que temos são pessoas com necessidades físicas mas sobretudo emocionais, estão carentes e aquele pequeno mundo de vidro não chega para se sentirem menos sós.
Encontram um escape, um Chris amado e usado por todos e sempre deixado no seu lugar no fim, onde deve ficar, de onde nunca deve sair porque todos precisam dele, já não vivem sem ele.

Os actores começaram frios mas foram rapidamente construindo, na sua maioria, personagens interessantes e com alguma profundidade. Nas cenas de sexo, nem sempre chegaram ao orgânico, à flexibilidade desejada, o que pode ter sido decisão de encenação, mas provocou alguma estranheza.

A sonoplastia também é um ponto muito positivo do espectáculo, arrepiante nos momentos de explosão e mantendo uma tensão latente mas permanente todo o resto do tempo.



Cada sopro, pode dizer-se, é uma experiência que se estranha e não chega a entranhar-se. Não pelas cenas de sexo, nudez ou violência, que já não chocam nos dias que correm, mas pela repetição, circularidade e força das mesmas. Força, nem sempre num sentido de intensidade, por vezes num sentido de corpos-rígidos-a-chocarem-uns-contra-outros. Nem sempre se percebe o que vai lá dentro.
Sem dúvida que nos provoca muitas coisas em muitos momentos, e isso é bom.

0 comentários:

Enviar um comentário

 

Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!