Força bruta

Coriolano conta a história de um general romano, Caio Márcio Coriolano, um militar nato que, enquanto é aplaudido pelas suas vitórias na guerra, é também odiado pela sua falta de, como poderíamos chamar-lhe hoje, tacto político. Irredutível nos seus valores, Caio Márcio não consegue flexibilizar-se a outros interesses, não consegue agir ou falar como seria suposto se isso for contra a sua natureza. Não é um político e, mesmo que seja justo, não chega para agradar às massas, facilmente influenciáveis pelo que precisam de ouvir.
Banido de Roma como traidor, vai juntar-se ao seu inimigo mortal para com ele destruir o povo que o exilou. Acabando por ceder às súplicas da sua mãe, que sempre o influenciou, decide não invadir Roma e é então morto por traição pelo seu novo exército, ao mesmo tempo que a sua mãe é elevada a heroína da nação.

Victor Hugo Pontes
No Coriolano de Nuno Cardoso o cenário é bastante funcional como pano de fundo de manifestações populares, jogos de poder e campo de guerra. A estrutura colossal e nua é assim muito bem utilizada pela encenação nos momentos e imagens díspares do espectáculo.
De salientar a cena da morte de Coriolano, muito bem coreografada com a aclamação da sua mãe, simbolicamente muito interessante pela simultaneidade de espaço e tempo.

Victor Hugo Pontes
Os jogos de luz e a sonoplastia enquadram muito bem a acção, reforçam os momentos de tensão e violência, sobretudo através da quase obscuridade.

A interpretação dos actores não está, na sua maioria, à altura do texto. O verso provoca em muitos actores a típica cantilena, que faz com que o público ja nem oiça exactamente o que está a ser dito porque é embalado apenas na forma. Nos momentos de tensão todos os actores escolhem mostrar a raiva, o medo, a cólera das suas personagens gritando sem cessar, o que não nos deixa grande margem para sentir alguma emoção. As personagens Coriolano e Aufídio parecem nunca sair desse registo.
Destaca-se a personagem Volumnia, interpretada por Ana Bustorff, que mantém uma postura sempre bastante forte, inquebrável e influente das personagens que a rodeiam, sem que para isso tenha que estar constantemente a gritar.
O mesmo acontece com a personagem de Menenio, por Pedro Frias, que consegue ultrapassar a tendência da declamação e do desespero gritado.
Quanto à personagem Vergília, é muito difícil ver a cara da actriz uma única vez, visto estar sempre a esconder-se atrás do cabelo ou das outras personagens, talvez numa decisão da encenação para mostrar a fragilidade a submissão da personagem face a Coriolano e Volumnia.

Victor Hugo Pontes
Uma das coisas que distingue o teatro dos outros tipos de representação é a energia em directo e em 3D: pode mudar tudo. E em Coriolano tudo se passa e nada passa. Ouvimos gritar, esbracejar, morte e desespero e não chega quase nada a este lado.
Shakespeare é garantia de um bom texto, sim, mas não garante sempre um bom espectáculo.

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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!