É à vontade do freguês

As you like it, de Shakespeare, é levada a cena no S. Luiz pela mão de Beatriz Batarda: Como Queiram.



Esta comédia pastoril de Shakespeare é sobretudo centrada no amor, nas suas variantes e vicissitudes, no entanto, a encenadora diz tê-la eleito para "manifestar uma posição sobre a Europa e o que se passa neste cantinho de mundo. Em Como Queiram, as personagens são expulsas ou exiladas por ambições egoístas, jogos de interesse ou usurpação de poder. Elas são obrigadas a fazer um corte com a sociedade estruturada, oprimida pelos manuais e pelas regras. Na floresta de Arden vão ter uma oportunidade para se reencontrar e pensar a sua relação com a vida, a sociedade e o amor." É o que diz Beatriz Batarda à Agenda Cultural de Lisboa.


Hoje, tudo parece conter uma opinião política, uma manifestação implícita, uma revolta. Neste espectáculo, não percebemos porquê.
Como pode pensar-se que as personagens foram para a floresta para procurar o seu verdadeiro eu, para criar uma nova estrutura social ou para fugir à que existe, se essas personagens não foram por escolha própria mas sim por expulsão ou exílio? Como se pode dizer que se reencontraram com o que de facto importa na vida, que se libertaram da opressão e da corrupção se, à primeira oportunidade, voltam todos à corte e ao mesmo sistema, à excepção do melancólico Jacques? Não percebemos.


Como é que do texto de Shakespeare e da encenação apresentada se pode retirar que “Há uma viagem de redescoberta, que acontece como uma forma de abandonar um formato em que as pessoas servem as estruturas, para se encontrar uma estrutura que serve as pessoas e, daí, haver, nesta minha encenação, uma alegoria ao 25 de Abril” como disse Batarda à Lusa? Não percebemos.


O que percebemos foram as várias histórias de amor, os valores de cada personagem, que não mudaram conforme o local onde estava,  a comédia de enganos à volta da personagem de Rosalinda/Ganimedes, as diferenças entre a vida do campo e da corte pelo diálogo de Corin e Tocaspartes, a melancolia e desalento de Jaques que nos mostra que a vida é um palco, o valor da amizade e da honra. De modo algum se percebe como transpor o que se passa para as estruturas economico-sociais do país ou para o período pré e pós 25 de Abril.


O cenário, bastante simples, é feito de grandes estruturas cobertas de panos brancos que servem a peça, algumas vezes, nas movimentações dos actores e mudanças de cena. A sua função parece ser outra: a encenadora diz que este cenário reflecte a igualdade e a liberdade. Como? "O cenário é todo branco e a cor que surge é dada pelo vestuário de cada personagem. Isto representa a ideia de que a nossa igualdade é obtida pelo direito à diferença. É o que nos faz sermos livres."


Os figurinos, de José António Tenente, são lindíssimos mas também nem sempre funcionais, ao que parece, como se vê por exemplo na personagem Célia, que cada vez que se move perde vários segundos a arrastar, segurar, rodar ou desdobrar o vestido, o que nos desvia a atenção do que diz. Se a ideia é mostrar, também aqui, a oposição entre a liberdade da vida no campo por oposição aos espartilhos da corte, então foi bem conseguida.


Quanto à interpretação dos actores é na sua maioria muito sólida, interessante e cómica nos momentos em que o texto o pede. O cineasta Marco Martins também está em palco, distanciando-se bastante a sua interpretação das restantes.
A actriz Luísa Cruz destaca-se ao longo de todo o espectáculo, tendo grande mérito nos momentos de comédia e sátira, sendo perfeitos os comentários que se ouvem pela plateia: "isto sim, é um bobo!". A graça do texto e da personagem, aliados ao rigor da sua construção, tornam-na um dos pontos altos da peça.
Destaca-se também a personagem Adriana, a camponesa, que aqui é apresentada da forma mais caricatural possível, o que ficamos sem perceber porquê ou para quê.


No espectáculo de três horas a ligação entre as cenas não é completamente conseguida, talvez pela proximidade com a estreia, o que pode tornar difícil a concentração no que se está a passar agora. Nem sempre se percebem as sequências, dando a ideia, por vezes, de aleatoriedade. (Naturalmente que a sequência de cenas do espectáculo é a mesma que no texto, o que não se percebe sempre é que estão a continuar a mesma história, durante os primeiros momentos de uma nova cena).


Em geral, a peça tem momentos muito interessantes devido a interpretações muito boas e ao texto, que nalgumas graças, parece que foi de facto escrito nos nossos dias. Se o espectáculo tem a ver com o amor, a sexualidade e estudos de género na sociedade ou se, em vez disso, é sobretudo uma reflexão sobre a "crise social e económica em Portugal", parece ser uma questão de subjectividade e opinião.
Este texto é a nossa.


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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!