Efeito borboleta

spoiler alert: este texto pode prejudicar o suspense do espectáculo

Vemos uma sombra de mulher prisioneira da sua vida, sequestrada dela.
A novidade aqui é que nunca chegamos a ver a mulher, a vítima, como é mais habitual, mas sim o sequestrador, o vilão. É com ele que podemos criar empatia apesar de não querermos. É a ele que podemos analisar, é só através dele que podemos sentir a emoção que não nos dá. Por isso, este espectáculo é um contínuo de ansiedade à espera de sossegar com um alívio que não chega.

O texto, de Susana Romana, é forte do início ao fim, pelo que não precisa de explosões de energia por parte dos actores ou da encenação. É aliás essa sensação de energia latente, sobretudo presente no trabalho de Ricardo de Sá, que nos deixa suspensos, a soltar apenas levemente a respiração.

Também Ana Varela, apesar de mostrar uma personagem desesperada nalguns momentos, consegue noutros reproduzir-nos o silêncio, que é o que nos deixa inquietos. Nós estamos lado a lado com o seu carrasco, podemos vê-lo, sentir-lhe os passos, a respiração controlada. Ela não.

A opção pelo teatro de sombras permite-nos imaginar tudo aquilo que não conseguimos ver e ao mesmo tempo aprisionar a realidade de Dalila, torná-la pequena, sufocante. E é o jogo com esse vazio que poderia ser mais explorado cenicamente.

Ironicamente, a falta de imagem dá-nos aqui, ao contrário do que seria de esperar, a ideia de cinematográfico. Como se público e sequestrador estivessem a ver através da lente o que faz a vítima, como se comporta confrontada com a sua situação e no entanto não vemos nada, temos apenas a ilusão de que vemos.

Esta ideia de acção a desenrolar-se dentro de um mundo hermético a lembrar cinema, parece ir ao encontro das preferências do encenador, Bernardo Gomes de Almeida, cujas áreas de eleição são precisamente o cinema e a televisão.
Aqui, a aposta é ganha pela surpresa de estarmos "do lado" da pessoa que faz e assume o mal e não da pessoa que sofre inadvertidamente as consequências dele.

Nós percebemos o absurdo da ideia das bolas de neve. Não é por alguém matar com a minha imagem na cabeça que sou culpada dessas mortes. Ainda assim, é o pequeníssimo espaço que surge na ligação deste pensamento à lógica, que nos deixa horrorizados com aquilo que poderíamos ter feito acontecer ou impedido de acontecer com apenas uma mudança de direcção.
É esse pequeníssimo espaço que nos pode enclausurar na nossa consciência e tê-la como carrasco.
Como aqui.









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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!