O universo de Ionesco é novamente visitado e A Cantora Careca volta à cena, desta vez na também lendária Sociedade de Instrução Guilherme Coussoul.
Entre os Smith e os Martin as conversas não podiam ser mais desconexas, vazias e superficiais, a dicção dos actores segue a mesma linha de estranheza e, quando julgamos que não podemos ser surpreendidos, eis que aparece a criada: um actor mascarado de uma caricatura de empregada doméstica. Os ingredientes do absurdo estão apresentados e durante a hora seguinte escusamos de tentar encontrar fio ou meada.
Ana Luísa Gil, Carolina Sousa, Cláudio Henriques e Miguel Cavaco apresentam interpretações corajosamente nonsense com os tempos certos para que a comédia funcione e, em geral, sem medo de arriscar. O exagero foi solidamente trabalhado e é com a maior calma que nos vão dizendo os maiores disparates, como se aquela fosse de facto uma língua própria dos dois casais.
Por ser uma peça que não pretende ser entendida, pelo menos no que ao diálogo diz respeito, corre o risco de se tornar cansativa quando o ritmo abranda demasiado e a sequência de cenas parece não avançar, uma vez que o público não tem propriamente uma história a que se agarrar.
O encenador, José Boavida, diz que "os Smith e os Martin já não sabem falar, porque já não sabem pensar, já não sabem pensar porque já não sabem comover-se, já não têm paixões". Será essa "ausência de vida interior" que os faz ter aquelas conversas que, no fundo, não passam de monólogos, já que não há respostas, não há escuta, fala-se para ocupar o tempo e nada mais.
Ver A Cantora Careca, hoje, é como ver um reality show - que não é mais do que um freak show - a que nós, críticos, julgadores e a tentar distanciarmo-nos o máximo possível, não conseguimos deixar de assistir com um sorriso entre o perverso e o condescendente.
O absurdo, está de que lado?
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