Fotografia de Jorge Gonçalves |
Sendo assim, o que vemos?
Quatro actores que, sem perder o fôlego, mas gastando o nosso, não se desmultiplicam ou desdobram em personagens, como costuma dizer-se, pois isso implicaria uma perda de força, velocidade ou qualidade. Multiplicam-se, isso sim, e temos a certeza que é puro acaso não termos visto cada um em dois lugares ao mesmo tempo. Ou será que vimos? As personagens conseguem estar em cena quase todas ao mesmo tempo, separadas por segundos apenas, e não são quatro, são pelo menos o dobro - vimos mais, mas não arriscamos garantir.
Numa encenação de ritmo alucinante deambulamos entre as várias histórias e chegamos a duvidar se alguma delas chega de facto a acontecer, a concluir. Quando julgamos agarrar um fio condutor, é já outro que se perde e só os actores parecem aguentar-se firmes no que estão a mostrar. E como o mostram!
A desconstrução é de tudo e a todo o momento. Os actores falam para nós, dão indicações aos técnicos, conversam fora das personagens, para no minuto seguinte voltar tudo à cena. Nem os objectos de cena são o que são e os figurinos e adereços são trocados à nossa frente, tudo muda sempre, porque sim. É de ficar boquiaberto nos tempos em que não estamos a rir às gargalhadas ou a tentar perceber a história, uma delas.
A "estranheza de toda este mudança é o teatro contemporâneo, onde a transcendência se alcança com tijolinhos de banalidade", diz o encenador.
Fotografia de Jorge Gonçalves |
O encenador parece concordar ao responder-nos à última pergunta: como é que no meio desta loucura o encenador não se perde?
"Tendo a sorte que eu tive em ter excelentes actores que sobrevivem a toda esta turbulência e com a coragem de aceitar esta prova. 30% do espectáculo não está definido, pode falhar, e isso foi deliberado. Impomos este ritmo para que o texto nunca assente e eles têm constantemente que resolver problemas e fazem-no ali, à nossa frente - este texto é isto".
Olhar para a modéstia enquanto pecado da vida moderna, é olhar para nós próprios e descobrir se, sempre que desistimos, sempre que competimos pela vida mais trágica, não estamos apenas a pré-desculpar-nos da nossa futura mediocridade, assumindo-a pateticamente.
Fotografia de Jorge Gonçalves |
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