A nova criação da Plataforma 285 podia tratar de um leilão numa galeria de arte com "grupos de intelectuais e coleccionadores vanguardistas", mas disso está a cidade cheia e do que viemos aqui ver ainda há pouquíssimos sinais.
Quem já conhece o trabalho deste colectivo desde Esa cosa llamada amor sabe que o que se espera de um novo espectáculo é precisamente a surpresa: várias imagens nem sempre interligadas, vários momentos nem sempre da mesma estética, várias mensagens nem sempre com um objectivo homogéneo. Ainda assim, também comum a todos os seus projectos é um trabalho de actor e uma criatividade nova muito interessantes, que permitem distinguir a linha deste grupo da tão disseminada pelas tão habituais performances contemporâneas.
Em Leilão tudo tem um preço, desde o bilhete para entrada, às cadeiras onde nos sentamos, ao cenário, efeitos cénicos e ao que vai mesmo a licitação. O público, que também intervém na cena, fica sem saber até ao final do espectáculo se de facto está a comprar alguma coisa ou não, e estando, o que é.
Como vem sendo habitual desde a segunda criação do grupo, and yet it has just began, parte do espectáculo tem mensagem política ironizando sobre o modo de vida materialista actual, sobre a sociedade de consumo e aqui, claro, sobre a troika, a União Europeia e gestão destas realidades.
Concorde-se ou não com o conteúdo da mensagem, o facto é que a inteligência das imagens com que ela nos é passada é sempre interessante e tragicómica e está nestes pontos a força desta companhia.
Neste Leilão há ainda espaço "cedido a artistas emergentes", "participação internacional" e "cenas cortadas por falta de orçamento" a que, no entanto, assistimos.
Tudo isto se passa num espaço que tem acolhido de forma tão feliz algumas propostas da Plataforma 285, que se adapta tão bem às suas ideias: o Cão Solteiro.
Na estética do grupo é também comum a utilização da sonoplastia, projecção de imagem e interacção com estes elementos de forma diferente do que habitualmente vemos. Aqui, os momentos musicais fazem parte do espectáculo mesmo quando estão a interrompê-lo e a dificultar o que julgamos ser a cena.
Outro ponto interessante no trabalho de Cecília Henriques e Raimundo Cosme (actores fundadores da companhia) é apresentar as cenas cómicas através de uma certa carga dramática e as cenas mais pesadas de forma a que o público não saiba se há-de rir ou chorar. Neste espectáculo isso é marcado, por exemplo, num solilóquio de Cecília Henriques em que a personagem sofre com a situação em que se encontra remetendo para a sua geração mas no entanto é abafada assim que tenta apresentar as soluções. Este príncipio de "fazer rir com o drama e fazer comédia a sério" é um dos basilares no teatro e, no entanto, é tão frequentemente esquecido que torna marcantes os momentos em que é relembrado.
A Plataforma 285 tem apresentado momentos refrescantes pelas suas criações artísticas, momentos surpreendentes que não esquecem a qualidade do trabalho, momentos contemporâneos que, sem chocar, nos suspendem no não-sei-bem-o-que-sentir-porque-isto-é-novo. E é isto, quanto a nós, que vale a pena espreitar nos espaços atípicos em que normalmente se apresentam.
0 comentários:
Enviar um comentário