Risco - o Jogo da conquista do Mundo

Que batalha é esta?

"É neste espectáculo que vamos perder toda a dignidade" informou aos restantes actores o autor, encenador e também actor da peça A Batalha de Não Sei Quê, Ricardo Neves-Neves. Quem vai à espera de discursos e imagens bélicas desengane-se - "já há muita ficção sobre guerras e batalhas, aqui preferi falar sobre a perda das pequenas coisas que acontece como consequência, os piqueniques, os namoros na relva, o campo. Acho que as pequenas coisas são as que nos ficam na memória" diz o autor. A tal perda da dignidade é apenas a promessa de exposição ao ridículo, à superficialidade, à brincadeira, ao universo infantil, "o que é difícil num espectáculo tão falível em que a graça pode facilmente resvalar para a gracinha". Ficaram a salvo, digo-vos.

Jorge Gonçalves
N'A Batalha de Não Sei Quê temos um Tenente, um Aviador, uma Freira, uma Menina Espanhola e um Rádio. E é este grupo que pretende vencer a batalha das 5 da tarde, hora do lanche, com a compra de uma caixa de bombas atómicas. No entretanto vai-se vivendo as tais pequenas coisas, tão grandes afinal, que podem decidir uma guerra.

O espectáculo não tem qualquer intenção interventiva ou política - rejubilemos - nem de estereotipar através daquelas personagens. É o regresso ao jogo do teatro, brinca-se e evoca-se o lado mais infantil das personagens "sem pudor da infantilidade, superficialidade e artificialidade" garante Neves-Neves.

A primeira parte é a apresentação, construção e desenrolar desta brincadeira. Personagens seriamente criadas para a comédia, sem gracinhas, com toda a convicção que traz o potencial de pôr a plateia a rir. E põe.
Na segunda parte do espectáculo adensa-se o tom, "trata-se de forma ligeira a perda da vida, a responsabilidade da guerra", diz o autor. A falta de sentido e de utilidade da nossa vida individual perante a perda de tudo o resto, acrescentaria eu.

As interpretações estão sublimes para um texto intrisecamente cómico, aparentemente superficial mas indubitavelmente bem escrito e bem pensado. Não é por acaso, Neves-Neves diz tê-lo escrito para estes actores específicos e que a encenação se foi construindo depois de perceber nos ensaios a linguagem de cada um deles. E vemos ali isso. O estilo de cada actor está bem demarcado apesar da simbiose correr mutíssimo bem. E é desta completude de encenação, interpretação e texto que nasce este bom espectáculo cheio de piada.

Mais uma vez, depois d'A Farsa da rua W e d'A Modéstia, volto a sair da Politécnica a rir-me e com a noção de que o que ali se fez, se experimentou, se apresentou, foi novo. Bom e fresco. E que para isso não foi preciso negar as bases do teatro, tentar anulá-las para criar outras coisas com outros nomes. Pelo contrário, partiu-se delas, do jogo em cena e para o público - fortaleceu-se, revitalizou-se o teatro. Ei-la senhores, uma farsa!

Quanto à batalha, sobre que é?
E que importa, senão cada pessoa que a fez?
É o que aqui temos.

Jorge Gonçalves

A Batalha de Não Sei Quê
de Ricardo Neves-Neves
Teatro da Politécnica de 13 de Maio a 11 de Junho
3ª e 4ª às 19h | 5ª e 6ª Às 21h | Sábado Às 16h e 21h
Com: Américo Silva, Andreia Bento, José Leite, Ricardo Neves-Neves e Vânia Rodrigues







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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!