Sobreinfomação

Uma das mais recentes peças de Caryl Churchill, Amor e Informação, vai estar em cena no Teatro Aberto a partir de 13 de Dezembro. Em mais de cinquenta cenas, treze actores multiplicam-se em personagens durante quase duas horas, sem quase nos dar tempo de respirar entre elas.


Amor e Informação é um estudo, uma mostra, quase uma experiência para o público sobre o mundo em que hoje vivemos e sobretudo como o vivemos. As cenas são apresentadas, na sua maioria, sem moralismo, cabendo-nos a nós retirar o sumo do que quase objectivamente nos é dado.

Teatro Aberto
Sem ligação aparente entre si, as cenas formam no entanto um mosaico comum que espelha a necessidade de informação actual por um lado e, por outro, o bombardeamento incessante dessa informação. Parece que estamos irremediavelmente presos, cada um de nós, num ou noutro.

Teatro Aberto
Começamos com a simples necessidade de se saber um segredo, passamos pela de contar um segredo e pelo meio a necessidade de se saber tudo sobre alguém, de se saber todas as notícias possíveis, de se gravar e fotografar o máximo para reter toda a informação possível de todos os momentos, a necessidade de perceber a dor ou os números irracionais, racionalmente, chegando até ao precisar de se perceber a voz de Deus e, claro, uma recriação da Última Ceia, como ela seria hoje, passada entre chats num qualquer whatsapp, entre pessoas na mesma mesa que estão em todo o lado menos ali.

Teatro Aberto
Pode parecer redutor traçar juízos sobre exemplos que parecem ser simples e directos, mas a verdade é que, o que ali vemos, é o que vivemos diariamente, compactuemos ou não com aquelas atitudes ou com o fanatismo tecnológico e informativo. Cada vez mais parece que nos rodeamos de coisas substitutas das relações humanas e emocionais que requerem mais esforço, mais tempo, mais sensibilidade, e ninguém tem disto para dar actualmente, numa era em que o tempo parece escassear cada vez mais.

As cenas sucedem-se num ritmo frenético, suportada essa rapidez por projecções e cenas em vídeo entre cada mudança das cenas em palco, evitando-se os blackouts - de luz e de informação, mais uma vez.

A encenação de João Lourenço é inteligente e interessante nesse aspecto, apresentando também um cenário muito funcional como aliás é habitual ver-se nas grandes produções deste teatro.
O grande cubo branco e asséptico onde se passa a maioria das cenas foi, no entanto, já feito na representação da peça em 2012 por James Macdonald no Royal Court Theatre em Londres.

Teatro Aberto
A ausência de didascálias e outras indicações no texto de Churchill contrasta com o excesso de informação depois representado e deixa uma infinita possibilidade criativa aos encenadores.
Nesta versão, a maioria das cenas tem apenas dois actores e pouquíssimo cenário e adereços, focando-se nas interpretações e no texto de inteligência acutilante por baixo de uma primeira camada de simplicidade. 

A grande maioria dos treze actores está muito bem preparada, acompanhando sempre o ritmo rápido mas sem histrionismo - na maioria das cenas - como requer o texto. São personagens sem nome, mas construídas com rigor, a cena chega-nos rapidamente desde o primeiro segundo de cada uma. O que é imperativo quando há cenas que duram segundos apenas.

Um espectáculo muito bem conseguido, interessante e intelectualmente desafiante numa linguagem simples, demasiado real para lhe podermos escapar mesmo quando nos conviria. As cenas variam entre o muito cómicas e o completamente deprimentes, raramente havendo o inócuo.

Teatro Aberto
De Amor e Informação fica-nos sobretudo o excesso de informação e a ausência do amor. Como se os sentimentos estivessem a ser enterrados em nós e no que está à nossa volta por esta racionalidade quase vazia de humanidade. Porque há relações sim, novas, diferentes, felizes ou tristes, essa humanidade é que parece faltar-lhes. Interessa cada vez produzir mais, fazer tudo mais, ter mais relações a todo o momento - através de todas as aplicações possíveis por exemplo - mas encher tudo isso de nós começa a parecer cada vez mais despropositado. 
Num mundo em que se pode ter cãezinhos virtuais, para quê ter cães que nos fazem levantar do sofá ao frio e à chuva para ir lá fora passear e apanhar cocós reais?

"Então a dor é como ser infeliz, mas na perna?
Excerto de A criança que não sabia o que era a dor, em Amor e Informação.

"-Sabes que quando tomas os medicamentos as vozes desaparecem?
- Sei que se torna mais difícil receber a informação."
Excerto de Esquizofrénico, em Amor e Informação

"- Mas faz com que a dor desapareça?
- Não. Faz-me percebê-la"
Excerto de Psiquiatra, em Amor e Informação

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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!