Loop

Já os conheço.
Sigo o trabalho da Plataforma285 desde o primeiro espectáculo e sei da promessa de caminhos diferentes e surpreendentes. Cumprida até agora.



Mimesis Mortalis mostra pelo trailer e pela sinopse que será uma misturada dos universos do cinema, teatro, televisão e lembranças pessoais, tudo de série Z. Apresenta-se como o show da banalidade. Uma repetição, imitação, lugar-comum até ao desgaste mortal. A asfixia pela parvoíce, diria.

Não poderia aqui reescrever todas as referências usadas no espectáculo, isso seria o espectáculo na íntegra. Mas sei que tudo começou com a rábula ao CSI e os gritos musicais de Izzi Bunny. E um corpo mutilado constantemente atirado para o meio da cena como se fosse um boneco de plástico. Era.

Todo o tempo foi recheado de momentos gozados e gozáveis durante os quais a Magia do Teatro saltava e fazia cambalhotas no meio da cena a decorrer. Brinca-se com o que todos os dias ouvimos desde manhã no café até à noite no telejornal. 
É pela repetição eterna que nos chega o ridículo quotidiano que vivemos sem perceber. Ou de que fugimos, quando percebemos. Ou que usamos, para preencher conversas vazias e tempos mortos.

A cenografia é construída e desconstruída com a cena, como habitualmente. A sonoplastia e a narração são ao vivo. E se a primeira nos faz rir de choque pelo provável rebentar conjunto de tímpanos, a segunda serve para relatar condescedente e paternalmente os feitos épicos da companhia até aqui e como a sua genialidade perdura até este momento.

Do texto não se pode dizer que tenha um autor, são antes retalhos da realidade e da ficção que nos é atirada diariamente em 50, 70, 120 canais ligados 24h por dia. É isso tudo sobreposto que vemos quase em frames interrompidas pelo aviso de Mimesis Mortalis, quando o absurdo, a repetição ou a estranheza são levados ao extremo.


A reter são as ideias. Ideias frescas para teatro apesar de se basearem em imitação do que já foi feito, bem pensadas e construídas desde a apresentação dos actores e do próprio espectáculo, ao encadeamento das cenas, ao figurino, coreografias, gags, sempre com graça e sem a presunção de quem está a mostrar algo de genial por favor. Não pode dizer-se que estamos a ver coisas originais, já que se tratam de imitações, mimese, o bom está em apresentarem-nos aquilo que vemos diariamente de mau, bom e ridículo sem sequer nos apercebermos. 


Não pode também dizer-se que estamos a ver um conjunto de sketches porque estamos realmente a ver pessoas vivas, muito vivas, a arriscar, a dar toda a energia possível, a estar em palco, o que é sobretudo visível na actriz Cecília Henriques, incansável e incomparável, sem perder a cena um minuto, a extasiar o público com uma actuação frenética, brilhante.


É um momento de teatro único apesar de se basear em imitação. É-o porque vai ao extremo do que se quis fazer, não se ficando pelo superficial do "mostrar o que existe" ou o "que se é capaz de fazer". Faz até ao fim com ideias, propostas interessantes, cómicas e inteligentes. 

É, na verdade, muito difícil descrever este espectáculo. Não por ser um happening, mas porque a sua riqueza está naquela mescla de ideias que se sucedem em catadupa e que estão muitíssimo bem recriadas e apresentadas.

Mimesis Mortalis está inserido no Festival Temps D'images e pode ser visto no espaço Zoot, da LxFactory até dia 30 de Novembro.





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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!