Num
texto sublime de Enda Walsh vemos o teatro dentro do teatro, as pessoas dentro
das pessoas, uma história que nos conta tantas outras histórias. Há um
padrão de comportamento, uma rotina opressiva que inevitavelmente acabará na
necessidade de explosão, de mudança. É isso que sentimos nas personagens dos
filhos, estão à beira da fuga de si próprios.
O
pai tenta impor-lhes uma realidade que não existe e obriga-os a representar uma
que nunca existiu mas que ele precisa que seja verdade para conseguir continuar
a viver, para estar em segurança. Quando os filhos começam a aperceber-se que
já nem nas suas recordações podem confiar, porque já foram recriadas milhares
de vezes, e que talvez o mundo lá fora seja diferente e que eles talvez
pudessem viver de forma diferente, então aí começam a não conseguir
representar. Começamos a ver momentos de quebra, o conflito entre a ideia de
desistência e a ideia da fuga, a vontade de acreditar e de manter a rotina
mesmo já sentindo que nada daquilo é real.
As
interpretações dos actores Américo Silva, António Simão e João Meireles são
indiscutivelmente brilhantes. A rapidez com que trocam completamente de
personagens, voz, corpo, atitude e emoção, é de um rigor impressionante.
A
teatralidade dos gestos enquanto as personagens estão a representar contrasta
com a fragilidade que nos mostram quando não estão e em qualquer momento a
técnica é irrepreensível.
São
tão díspares as pessoas que cada um deles cria aos nossos olhos que não
precisaríamos dos acessórios para perceber quem está em cena.
Cada
personagem de cada um deles tem os seus próprios trejeitos, forma de estar, de
andar, de falar, rir. Até na linguagem de cada personagem há uma evolução
conforme a idade. Falo das diferenças na expressão de Sean e Blake em criança e
depois em adultos.
Cada
pormenor foi trabalhado e sustentado a todo o tempo.
Sem
grande esforço poderíamos imaginar como vivia cada uma daquelas pessoas fora
daquela casa.
Também
a actriz Laurinda Chiungue nos apresenta uma personagem muito bem construída,
muito trabalhada na linguagem, corpo e emoção. Não esqueçamos que é ela o
detonador último do twist final.
João Meireles, Américo Silva e António Simão brindam-nos com uma encenação maravilhosa em que é
impossível, e seria ingrato, pestanejar. O ritmo é frenético e cada ponto é
fundamental para não deixarmos escapar a história.
É
uma verdadeira farsa o que nos dão. O exagero dos gestos, a caricatura dos
figurinos, a sinalética cómica,
estão lá, é o teatro no seu expoente. É o falso, o artificial sempre que
as personagens estão na sua cena.
Quando
não estão, emocionam-nos.
A
cena final da peça é absolutamente avassaladora. O público vive o drama de
Sean, quer decidir por ele, quer forçá-lo a tomar a decisão certa, sofre com
ele. Aqui, são as decisões de encenação que o produzem com os tempos certos, os
silêncios, a forma de repetir tudo uma última vez.
Não podemos deixar de falar nos figurinos e acessórios de cena que são geniais no absurdo que pretendem transmitir.
Até o som, a música do gravador, podemos dizer que nos provoca esse efeito na perfeição, o de absurdo cómico.
Esta
peça dos Artistas Unidos mostra a simbiose perfeita entre actor, encenador e
texto. Sem falhas.
É
um drama sobre pessoas, sobre o que elas precisam para se aguentarem, ao
limite.
É
um drama apresentado entre lágrimas de tanto riso e é isso que nos quebra a
nós.
É
teatro senhores, é teatro.
0 comentários:
Enviar um comentário