Soluço desartístico

Quase três meses desde que aqui escrevi pela última vez, diz-me o Blogger.
Não que não tenha ido ao teatro durante este tempo, o problema é que fui.
Não voltei nunca foi com vontade de escrever uma linha.

Os espectáculos que vi não foram os piores que vi, nem os melhores certamente, nem os mais inócuos. No final ficava sempre com aquela tristeza de desilusão de quem perdeu qualquer coisa.
Eu perdi um pouco o amor. Ao teatro. Não sei se a culpa foi dele, se minha. Sei que saí de salas chateada com o que se anda a fazer. Não. Com o que se anda a ver.

Vi espectáculos "clássicos", vi performances, coisas a que chamam "pós-dramáticas" e outras de que nem me lembro. Vi amigos e desconhecidos, grandes e minúsculas produções. Mas o que mais vi foi: egos.

O que deixei de sentir? Entretenimento.

Não espero entrar numa sala para ver teatro e sair com uma comédia romântica, um stand-up comedy ou os Morangos-com-açúcar-temporada-mil. Mas também já não consigo ultrapassar os umbigos egocêntricos intelectualóides que podem estar cheios de boas ideias para mostrar mas não têm nenhuma intenção que elas cheguem de facto até à plateia. Ou o drama. O peso que é ainda ir ver alguns espectáculos pela força que se tem que fazer para não adormecer apesar de no final, indiscutivelmente, se ter vistos bons actores, por exemplo, mas aquele sono...

O que é que espero? Seria ingénuo dizer que não espero nada quando vou ao teatro ver determinada peça, determinado grupo, encenador ou actores. Seria mentira também. E irrelevante.
Há expectativa claro. Não é por não se cumprir a minha que a coisa é boa ou má, evidentemente.

O que acho que é raro é ver interesse em passar uma mensagem ao público para que ele a desfrute como entender. Alto: uma mensagem não é uma moral ou uma politiquice popular ou uma ideia subliminar, haja paciência. Será talvez aquilo que o encenador pensou como "olha que giro, acho que se fizer isto assim, consigo que eles vejam/sintam/percebam a minha ideia sobre isto tudo (a estória) e/ou que tenham as suas". Em vez de "acho cenas com cores e luzes e gritos muito giras, acho que exprime o meu sentimento de revolta, vou pôr isto em cena e esperar que venham aqui gostar de mim, a expôr-me" ou "adorava fazer um espectáculo todo de gatas, os actores, o cenário, o texto, tudo simboliza estar de gatas, portanto vou experimentar e o público que venha apreciar o meu espectáculo sobre estar de gatas, porque eu quero explorar isso". Ora, não sei. Não sou artista, não sei o que lhes vai nas cabecinhas, mas sei distinguir quando as coisas são feitas para mim e não apesar de mim.

E acho que basicamente é isso que eu espero quando vou ao teatro: que haja um espectáculo construído e pensado para que eu qualquer coisa. Sinta, pense, grite, chore, tenha medo, me revolte, me apaixone, me engane, me aperceba. Qualquer coisa. Mas eu, público. Não eles, artistas-criadores-visionários.
Não vou ao teatro para que os actores se divirtam, desculpem. Vou para eu me divertir. Podendo o divertimento ser cheio do que for: drama, horror, tristeza, banalidade ou alegria esfuziante, cada um sabe de si. Daí que me apareça a palavra: entretenimento.

Ia agora dizer que prefiro maus actores e encenadores que tentem de alguma forma entreter ou chegar ao público de alguma forma do que excelentes profissionais vazios. Mas era mentira outra vez, não desculpo que haja para aí maus actores aclamados como se fossem outra coisa qualquer.

Bom. Avancemos.

Acontece que há uns dias fui ver uma coisa que me reconciliou com o teatro.
Não só me ri muito com o espectáculo, como quase chorei de redenção por ter voltado a sentir porque é que ali estava. Ali, aqui, no teatro.
Que alegria, senhores! Afinal, não foi culpa minha nem do teatro - como tão bem me dizia uma voz amiga depois das primeiras pedradas de aridez - afinal ainda há ideias, ainda há sentido (de sensação e não de coerência). Por mais que se prefira outra estética, outro texto, outra opção de encenação, aquilo era vivo, cheio de ideias. Ideias para nós vermos, sentirmos, pensarmos ou só rirmos. Actores a trabalhar em conjunto e sem parar para esse fim. E não em modo blasé-narcísico-divertimento-de-equipa.

Este texto é desabafo não literário e não artístico mas é sobre as Cenas. E sobre a ausência delas.
O próximo será sobre isto que vi.

(O que me acrescenta irritação é ver pessoas que dormiram durante todo o espectáculo serem as primeiras a levantar-se para bater palmas. Em pé, pois, se se levantaram. Ficará para outra vez.)



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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!