Jorge Gonçalves |
A encenação de Jorge Silva Melo despe tudo o que vai para além das três interpretações. Só temos as imagens criadas pelo texto, tantas, tão rápidas e confusas, tão fora da nossa realidade que inicialmente é difícil vermos e percebermos tudo o que se está a passar. Porque é tudo o que ali se vê: entre a descrição romântica da apanha do tomate surgem unhas podres e trabalho interminável; entre a lealdade a uma causa que mal se compreende, perdem-se convicções mas nunca a entrega total e inquestionável; entre o hábito da miséria aparece a dor de quem vai perder o último filho para um Deus que é mais forte por ser o mais novo, que é mais cruel porque as únicas armas que tem são as vidas dos que nele crêem.
Esta opção pelo quase vazio do cenário e marcações deixa-nos tudo isto em que pensar e, num texto tão forte e imagético, pouco mais precisamos além de sólidas interpretações.
Andreia Bento, António Simão e Nídia Roque sobrevivem incrivelmente a este texto e as estas personagens cruas e agressivas na medida do sofrimento que parecem querer adormecer ao gritarem a sua trágica realidade.
Mergulhados muitas vezes em quase monólogos, pode ser difícil mantermo-nos sempre concentrados em toda a energia que os actores nos transmitem. Mas nem por isso esmorecem e os momentos mais emotivos surgem-nos de repente, brutalmente, pelo inesperado e pela disfarçada frieza que aquelas personagens são obrigadas a manter para sobreviver. Nos raros momentos em que uma delas quebra, logo a outra a levanta ao empurrão, não vá o desmoronar ser para sempre.
Nisto tudo os actores nos salvam sempre e salvam-nas a elas, levando-as do histriónico ao sentimental, do quase absurdo ao realismo triste e simples, sem se perderem eles.
É um espectáculo que corre o risco de chatear quem vai à procura de coitadinhos e sentimentalismos. Aquilo que vemos, aquela estória ali inventada, choca-nos por nos lembrar a realidade, a sua parvoíce e bestialidade, a injustiça diária e banal a que deste lado do mundo tão facilmente nos habituámos a assistir. "Mas, na brutalidade desta história que vivemos hoje, conseguiremos ouvir o lamento imundo destes desgraçados?". Fica a pergunta do encenador.
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