Conversas

Ontem estive numa conversa com os Artistas Unidos e os amigos deles. Não os cerca de 7000 do Facebook mas uns 100 bravos que numa Segunda-feira, depois de um dia de trabalho, fizeram mais umas horas pelo teatro.
Discutiu-se o que fazer para ajudar uma Companhia com 20 anos a continuar. Discutiu-se sobre se ainda seria pertinente continuar - se bem que neste ponto as dúvidas dissiparam-se na plateia instantaneamente. Creio que o que se fez sobretudo foi criar umas dúzias de apóstolos para a mensagem, para que se saiba o que se passa, para que se fale nisto, para que se note. Foi um grito dado para criar eco. Creio que se criou.
Os artistas são normalmente acusados de pouco se envolverem na realidade física para além da criação artística e intelectual. Reúnem-se nas manifs e unem-se quando a DGartes se atrasa com os apoios e pouco mais. Diz-se. Diz-se que não se sabem promover, que não sabem de marketing nem de gestão. Diz-se que deviam saber ou rodear-se de quem saiba. Eu também o digo muitas vezes, com razão algumas. Também disto se começou a falar ontem.
Ontem viu-se ali um conjunto de artistas unidos e pessoas que gostam de artistas ainda mais unidos com algum medo de muitas coisas. Um medo bom. Um medo daqueles capazes de levantar uma multidão e levar tudo à frente.
Não.
Talvez tenha começado pelo medo. O medo da inutilidade e do obsoleto. Mas não foi o medo que começou a sugerir a revolução, foi a vontade de ter muito mais, de fazer muito mais do que o que agora temos.
Depois essa vontade zangada de bater o pé, de bater o corpo todo se for preciso, percorreu a sala, porque já chega de ver o espectáculo a morrer aos bocadinhos sem quase ninguém reparar.
Os Artistas Unidos estão a ser expulsos do Teatro da Politécnica. Estão a ser empurrados para fora de casa, de mais esta casa. E por uma qualquer assinatura burocrática, uma das Companhias de teatro - se não a Companhia de teatro - que mais produz e tem apostado na diversidade, não só de espectáculos mas de ideias como são os Livrinhos, as traduções ou o incentivo a novos dramaturgos portugueses, vai ficar sem um palco.
E nós vamos ficar sem tudo o que nos têm dado. Vamos ficar sem o que ainda nos poderiam dar.
Não pode ser. Não.
Há alturas em que se tem mesmo que levantar os olhos para lá da vidinha do dia-a-dia e fazer qualquer coisa. Qualquer coisa. Há alturas em que a ideologia política, a ideologia cultural ou outra qualquer deixa de importar porque há coisas que não podem acontecer. Isto não pode. E não vai. Mesmo que apenas por treimosia daquelas 100 pessoas e de todas as que elas vão arrastar.
Ontem ouvi pensar-se um bocadinho ideias para a cultura, vi procurar-se problemas e criar-se várias soluções. Vi pessoas unidas e que afinal o teatro importa. Ainda importa.
Eu, um embrião comparada com a história do teatro português, digo que este tipo de conversas é interessante, importante, vital. Digo que artistas e não artistas devem pensar e falar em conjunto mais vezes. Não só beber copos e cafés, isso também, mas pensar a cultura como o que ela é na essência e precisa de voltar a ser na prática: indispensável.
Já terão havido mil iniciativas deste género, ontem foram lembradas algumas, mas urge que se aja enquanto é tempo.
É talvez quando se está à beira do precipício a melhor altura para dar um salto grande e evitar o abismo iminente.
O tempo é agora.

(Ou então não, sei lá eu. Continue-se a ver morrer em silêncio e brevemente restar-nos-ão curtíssimas, já não curtas, para ver e fazer em catadupa num qualquer barracão a que chamaremos site specific ou serviço educativo. Teremos profissionais do espectáculo em part-time porque o full será outra coisa qualquer que pague as contas. O público? O público há-de aprender a gostar disso também. Mexer-se cansa mais.)





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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!