O texto de Cecília Ferreira, premiado pela SPA, está em cena no Teatro Aberto, com encenação de Gonçalo Amorim e interpretação de Mónica Garnel.
Numa interpretação histriónica e fisicamente esgotante, a contrastar com o texto mais intimista e emocional, Mónica Garnel dá vida à enfermeira Luzia. Luzia acompanha os seus doentes na morte e inventa-lhes vidas que guarda para si. Relembra-os na solidão que é a sua vida depois de a ter dedicado àqueles estranhos que se transformaram na sua família, ainda que criada por si. Luzia isolou-se do mundo e não sabemos se ele está a tentar recuperá-la ou se é a loucura que a chama.
O cenário marca muito bem o isolamento da personagem através da fita colada em todas as paredes e objectos, a enfermeira está completamente separada da restante vida por aquelas paredes brancas e silenciosas. Só o seu corpo no espaço, a sua voz, sempre em movimento, quase sempre em sofrimento, como se precisasse de não parar para ela própria não desaparecer.
A encenação que obriga a actriz quase a multiplicar-se é um crescendo de energia frenética para culminar no fim épico de kitsch como a simbolizar a libertação total em que a absolvição da alma é procurada pela do corpo. A evolução do cenário, nas luzes e sonoplastia é também neste sentido até à explosão final.
Mónica Garnel demonstra uma disponibilidade física brutal, mantém sempre a energia que a encenação exige. Lamenta-se que haja poucos momentos de pausa para respirar, mais verdadeiramente emocionais e sentidos. Mesmo os momentos de recordação e mais sofrimento são dados sempre para fora, seria bom poder ver o que a personagem está a sentir em vez daquilo que diz que sente.
O texto tem bons apontamentos sobre a incontornável questão da inevitabilidade da morte, do sentimento de injustiça inerente e sobretudo sobre a solidão. A solidão dos que a rodeavam levou Luzia a um extremo sem retorno. De repente a sua vida era só a dos outros e quando tentou afastar-se apercebeu-se que eram eles, os mortos, que a mantinham ligada à vida.
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