Sinfonia

Ricardo Neves-Neves volta à encenação para o Teatro do Eléctrico, desta vez não de um texto seu, antes de três textos do britânico Martin Crimp. Três histórias narradas em cantilena por dez actores em palco, uma pequena orquestra e um coro de 40 actores, que acabam tão inesperadamente como começaram, ou será apenas a nossa vontade de ver mais.



Os actores divididos em três grupos contam histórias numa linguagem que do aparente realismo vai evoluindo para o quase absurdo pela repetição das palavras, dos tons, das intenções, dos tempos, criando um jogo entre os intérpretes e a história que parecem estar a inventar em conjunto.

A descoberta do coro e da orquestra arrepia pelo inesperado e pela força com que vem imprimir novo ritmo à cena. Os momentos mais emocionais provocados pela força de 40 vozes em uníssono interpostas no texto acrescentam inegável valor estético, poético e material ao espectáculo.

O ritmo, aliás os diferentes ritmos presentes ao longo da narração das três histórias, estão tão bem trabalhados, as interpretações tão bem encaixadas no que parece ser uma única linha quase musical, que o público fica suspenso, completa e continuamente, de modo a que o final aparece surpreendente e demasiado rapidamente.

Os actores demonstram neste espectáculo um trabalho sólido para uma interpretação em sequência ininterrupta que nunca falhou, no que parecia bastar uma respiração fora de tempo para estragar o efeito global.
Destacam-se as interpretações de Rita Cruz, Tânia Alves e Rafael Gomes que, talvez por terem consideravelmente mais texto, puderam mostrar mais mudanças, mais trabalho de construção de personagem, tendo sido os protagonistas dos momentos mais cómicos do espectáculo.

O trabalho de Ricardo Neves-Neves tem sido marcado por este exercício com a palavra e ritmo, um jogo teatral por si, em que parece não haver moral, conclusão ou objectivo.
Aqui, a mensagem é, porém, cabalmente explicada pelo encenador: "É um texto político e moralmente incorrecto, onde a pobreza de espírito das personagens espelha uma certa mediocridade entre as relações humanas e a forma como lidam com a violência e a crueldade. É uma peça fria, sofisticada, porém bárbara, hesitante e um excelente retrato sobre a hipocrisia educada e elegante, presente nas relações humanas."

Este espectáculo é marcado pela leveza, a facilidade para nós, público. É um momento de entretenimento muito rico em que a palavra faz música, a imaginação cria a cena, a piada vem, também, do esperado. É o jogo. Este espectáculo mostra na perfeição o jogo do teatro entre público, texto e intérpretes.




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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!