O povo - um inimigo?

spoiler alert

Um inimigo do povo, de Ibsen, é novamente apresentada em Portugal, relembrando uma questão ainda tão pertinente: o que é a verdade ou para que serve quando não está em conformidade com a maioria?



Na nova produção da Comuna é o público que entra na cena, caindo a quarta parede logo desde o primeiro momento, nós fazemos parte do que se vai passar, o nosso julgamento vai ser posto à prova - faremos parte da maioria ignóbil ou julgá-la-emos?

A encenação vai explorar muito bem este envolvimento físico e emocional do público, podendo levar os mais incautos a uma efectiva participação na assembleia popular que se prepara. Torna-se claro que o encenador quer trazer o texto e a sua mensagem para a actualidade, que nos sintamos parte dele, quer talvez que o tragamos para a nossa vida, quer talvez que tentemos agir.

Bruno Simão
A música em cena, a cargo de Hugo Franco, traz contrastes muito interessantes com o que estamos a ver em palco. A ansiedade e o conflito tantas vezes dissimulados entre as personagens explodem  na guitarra eléctrica, deixando o público suspenso à espera da evolução da história.


Os actores imprimem à peça um ritmo enérgico e uma tensão latente muito interessantes, tendo em conta a profundidade do texto. A maioria das interpretações é bastante consistente e chega às camadas necessárias a personagens que são tudo menos superficiais e lineares. Destaca-se a interpretação de Frederico Barata, que conseguiu agarrar o público, ao longo de todo o espectáculo, aos apontamentos cómicos da sua personagem, nunca perdendo a profundidade exigida.

É muito bem construída a evolução das personagens, as suas mudanças, as suas dúvidas. Os dilemas morais em que se dividem tornam relativa a importância da verdade, passando a estar relacionada com egoísmo e leviandade, contrapondo-se à importância do bem comum, construído de tantos interesses particulares, mas sobretudo da inconsciência das massas.

Bruno Simão
Um inimigo do povo consegue fazer-nos pensar na facilidade com que é possível manipular uma consciência (ou inconsciência) colectiva, na facilidade com que as nossas ideias parecem perder importância quando confrontados com os interesses pessoais. Consegue relembrar-nos que a democracia não é com certeza um sistema perfeito, apesar de ser o menor dos males.





1 comentários:

  1. itinha:gosto da tua crítica,embora o espactáculo não me tenha galvanizado muito.Contudo,eu dou a mão à palmatória,como se costuma dizer,pois a minha opinião é frequentemente contagiada,para além da interpretação dos actores,pelo tema tratado;e este já é tão recorrente que enfim...

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Meet The Author

Rita Branco Jardim é actriz de formação e escritora de inspiração. Começando pelos diários adolescentes e pelos embaraçosos concursos de escola, foi crescendo enquanto escrevia poesia, prosa poética e pequenas peças de teatro. Autora de blogs pessoais e culturais, criou o Sobre as Cenas, inicialmente apenas ligado à crítica de teatro mas que quer agora estar mais aberto a outro tipo de textos: os avulsos. Neste momento, escreve no Sobre as Cenas sobre teatro e o que mais lhe der na real gana. Bem-vindos ao Sobre as Cenas!